Monday, April 12, 2010

"Doravante, aviões separados", disse Socorro

Pela manhã Socorro bateu na minha porta. Conforme tinha antecipado por telefone, viera buscar os quadros de Normando que estavam comigo e que eu tinha prometido lhe entregar em uma ocasião especial. O ensejo tinha chegado, pois. Ela pintou a casa e está fazendo uma nova decoração, sob a competência de um profissional.

Eu tinha quatro quadros de Normando sob os meus auspícios, mas ela alegou que dois deles eram seus, presenteados pelo próprio autor. Resolvi, então, entregá-la todo o conjunto da obra que estava comigo. Não faria sentido, essa “diáspora” artística. Acredito que pensando nisso, Socorro disse que vai deixar ordens expressas para que os quadros me sejam entregues caso morra antes de mim. Brincando, conjecturei que poderíamos morrer no mesmo dia e na mesma hora. Foi o suficiente para Socorro afirmar que jamais viajaríamos no mesmo avião.

Saturday, April 10, 2010

Asco

Asco
Da partida de futebol que termina em pancadaria

Asco
Do poema que incita à pornografia

Asco
Da provocação barata e fortuita

Asco
Da imagem dos moralistas refletida no espelho do Grande Circo Mágico das Aberrações

Asco
Da mulher barbuda e do jovem de barba escanhoada

Asco
Do asco que vomito e do asco que engulo

Asco

Asco

Asco

Wednesday, April 7, 2010

Meus armagedons diários

Parecia que o tempo tinha fechado como um preâmbulo do Armagedom e que eu até me dispunha a engrossar a fileira de um dos lados...

Felizmente, era um sonho. Talvez, um pesadelo leve. Mas, algo de real permanece no ar. Parece que diviso os miles christi dos pagãos e ímpios em pleno medievo desses dias tão turbulentos e atuais.

Por exemplo, hoje, na praça onde faço o “religioso” cooper de fim de tarde. Tardei por conta da sonolência que se apoderou de mim e trouxe o sonho sinopticamente descrito acima. Enquanto um “pastor católico exorcizava” a multidão que lotava a Quadra Bicentenário, eu corria e pensava como estava gradativamente me autodefenestrando de ambientes que, ao meu cada vez mais sensível olfato, ardiam no fogo e no enxofre.

Enquanto corria e pensava, esbarrava em protótipos estranhos, seres disformes com bonés postos ao contrário, piercing nas orelhas, narizes, sobrancelhas, bocas e umbigos; escárnios e gritos. Em suma, mera “acanalhação”.

Eu, simples católico e provinciano, escandalizado e totalmente acuado, apressei o passo para completar, pleiteando um recorde para-olímpico, minhas programadas dez voltas em torno da praça.

Consegui, mas não esperei o pódio.

Apressei mais ainda o passo rumo à tranquilidade do lar, onde sou rei e tenho rainha, princesas e príncipe.

Tuesday, April 6, 2010

A província passa bem (e o PT também?)

Primeiramente, quero dizer que esse rudimentar escrito não é uma provocação a nenhum ex-provinciano que agora arrota ares cosmopolitas por ter feito pós-graduação na PUC ou por residir no litoral, que no final do positivista século XIX era tido como centro civilizado por estar mais próximo da Europa do que o longínquo sertão - este, um lugar de bárbaros por ser locus de crendices absurdas em pleno limiar do redentor século XX.

Também quero dizer aos cangaceiros de plantão de governos petistas que, apesar de não ser simpatizante da sigla PT, também não sou um oposicionista sistemático que usa esta blogosfera como trincheira do "partido da imprensa golpista" e blablablá. Ora, não superestimem minha frágil e despretensiosa pena de escriba provinciano...

Quero tão somente cantar loas, puras e sinceras loas ao meu arrabalde querido, pequeno, porém belo arraial, onde cresci, amei, sonhei e vivi e continuo amando, sonhando e vivendo.

Final da tarde. O sol, com auréolas resplandecentes e douradas, se punha por trás da Chapada do Araripe, majestoso monumento e dádiva divina. Aproveitei o tranquilo crepúsculo que banhava com luz mágica a cena citadina e fui dar uma caminhada. Desci beirando o canal, que apesar de fétido, encontra-se agora maquiado com belas palmeiras imperiais. Cheguei à Praça Alexandre Arrais, antigo Parque Municipal, espécie de recanto sentimental da minha acanhada biografia. Após rodopiar cinco vezes o logradouro, caminhei em busca da Rua Miguel Limaverde com intuito de alugar um filme na locadora mais próxima e diversificada. O único critério que tinha era que o filme trouxesse aquelas imagens sedutoras dos centros mais civilizados, de preferência um filme “roliúdiano”. Sem opção de acesso, passei em frente à suntuosa Catedral de Nossa Senhora da Penha, ali na belíssima e frondosa Praça da Sé, onde persignei-me em respeito a este indelével baluarte da civilização cristã. Yes, nós temos banana!

Eram cinco horas da tarde e a o canto afinado das “beatas & carolas” anunciava a santa missa que se iniciava.

Friday, April 2, 2010

Hoje

Sexta da Paixão em plenos 2010.

Era de se esperar que Jesus fosse "liberado".

Já bastariam tantas chicotadas e "porradas" ao longo dos últimos milênios...

Mas, parece que não...

E tome mais chicotadas e "porradas".

E Coroas de espinhos renovadas...

Nem o Senhor descansa em paz.

Imagine nós.

Thursday, April 1, 2010

Santas semanas de minha infância

Na época da minha infância não se ouvia falar de Páscoa, mas somente de Semana Santa, período associado à tristeza provocada pelos rituais que lembravam a via crucis de Jesus Cristo.

Certa vez, assisti no Cine Cassino a antiga e tradicional película Paixão de Cristo, muda e em preto e branco. As imagens causaram-me grande impressão, tanto do suplício do Nazareno quanto da sua Assunção, no meio de muita fumaça. Outra vez, em Nova Jerusalém, depois de assistir a encenação da Paixão no “maior teatro ao ar livre do mundo”, inadvertidamente comi uma coxinha de frango que tinha sobrado do meu farnel. Bateu-me uma sensação de culpa sem tamanho. Era Sexta da Paixão.

Lembro também do cortejo de Judas, no Domingo de Páscoa, que sempre passava na Rua da Cruz. Impressionavam-me, sobremodo, os homens travestidos de “viúvas do traidor-mor” que, materializado em um boneco de pano, montava um jumento, dando seu último adeus antes de ser enforcado e implodido lá na beira do Canal, que ficava próximo da minha casa.

O melhor daquelas santas semanas era a fartura que se seguia à quadra invernosa, quando minha mãe fazia panelões de canjica e meu pai incluía na feira bacalhau e muito queijo.

Tuesday, March 30, 2010

Heráclito X Parmênides

Mudar ou permanecer?

Antes fosse, eu quereria ser uma eterna metamorfose ambulante. Tanto que na adolescência era chamado de “borboleta”. Diziam: “Carlinhos gosta de pousar em várias flores”. Uma metáfora para minha pouca consistência ou paciência em tomar posições, partidos, ideias e ideais.

Em pouco tempo fui colecionador de selos, atleta, católico (de fundamentalista a simpatizante da teologia da libertação), líder estudantil, carnívoro, macrobiótico, vegetariano, hare krishna, novamente carnívoro, comunista, petista, anarquista, metido a artista, roqueiro, MPBista, beatnick, "incendiário" e depois "bombeiro", social democrata, nacionalista, liberal, conservador, regionalista, universalista, personalista, impersonalista, defensor do verde e das baleias (não havia ainda o termo ecologista e muito menos ambientalista), fanático por futebol, editor de jornal alternativo, universitário, underground, assessor de imprensa, promoter, professor, secretário de cultura etc etc etc...

Afinal, o que sou mesmo, agora?

Gosto muito da definição que consta neste diário: passageiro na janelinha... mas, preferiria ser “apenas um rapaz latino-americano”.